quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Substrato de uma fala acadêmica

Era uma aula de metodologia de pesquisa em música.
Acreditem, isso existe! Tanto a metodologia quanto a pesquisa.
Agora sobre a música, aí é querer demais. Ou falamos ou performamos*.

Tudo certo, data-show ligado, CD-rom configurado e imagens devidamente projetadas estampando a massa corrida na parede.
Começa então a apresentação e o que seria um breve resumo, virou uma confusão de palavras e vícios da fala, ou defeitos do pensamento, sei lá.
Ao final, percebi que havia mais palavras que diziam nada, do que as que realmente faziam referencia ao texto. Vamos ao substrato:

"bem, bom dia!
foi o que foi, porque foi.
Ou seja, a coisa toda que existe, né?
Então a gente vê de alguma forma isso?
Né?

Que é o quê, exatamente?
Não necessariamente isso, mas digamos assim...
então acaba controlando nessa maneira de expor.
Então pra terminar eu acho que é isso.

E o quê seria isso?
É levar em consideração o contexto ao qual isso está implícito.
Entendeu?

O que é na verdade o quê?
Na verdade, justamente, é bem interessante, porque a realidade, no final das contas...
a realidade é isso!
Tendo que driblar e, há a necessidade, ao mesmo tempo em que tenho que explicar o que vinha sendo dito sobre isso.
Uma vez que isso acontece nesse contexto, onde esse grupo não é exatamente um grupo, ou seja, alguns participam, mas é um paradoxo!
Porque há o incentivo, mas não há a compreensão e o desafio de se adaptar.

Né?
Mas isso é um critério!

Então a solução é oportunizar isso. Mas quem vai oportunizar isso?
E há alguém com peculiaridades para tal?
Porque cada caso é um caso!
Entendeu?
"

Lembrei de uma exposição de fotografia que vi. A artista congelou uma imagem de uma determinada rua de São Paulo. Na foto ela percebeu que havia placas e anúncios em demasia e não podendo retirá-las por meio digital, resolveu censurá-las com tarjas pretas, se com placas expostas, ficou difícil visualizar a cidade e seus habitantes, com tarja preta, fico notório que a paisagem estava mais suja ainda.

Essa mesma sensação tive ao me deparar com a fala dessa pessoa durante a aula, que como colega, passa as mesmas dificuldades minhas, mas não pude deixar de analisar que, pelo excesso de "achismos" e desordenação do pensamento, borrou o foco, tornando ininteligível o texto apresentado.

E aqui se encerra mais um dia de tentativa, erros e acertos no processo de transformação de músicos, boêmios e diletantes em seres acadêmicos, de óculos e português troncho.

Brasília, dezembro de 2007

* - Entende-se por performance, em (etno)musicologia, termo chique de difícil tradução do inglês para o português que representa o ato de tocar música, ou barulho, se você for um infeliz filho dos dogmas musicais euro centristas. Nesse ato de tocar existe um processo transmissão de saberes pela performance (não verbal) ou pela oralidade (falando ou cantando pelos cotovelos).