domingo, 29 de março de 2009

procura-se

placa na rua: “Procura-se cachoro deficiente, preto e sem dentes. Recompensa de 100 reais. 24hs.”

Anos atrás fui chamado de cachorro, os fatos a levaram a me classificar dessa forma, e como cachorro que eu passara a ser, deveria ser rechaçado, rejeitado ou no mínimo criticado, sem ter direito de réplica. Um homem cachorro, indigno de respeito e amor. Cachorro e safado!

Ele era deficiente, mas tinha um senso de bom incrível. Corria, subia muro, trabalhava com a força de 3 pernas, mas dia e noite lá estava a perna deficiente, seca, perseguindo seu presente e futuro. Em meio aos passeios, escadas e degraus de ônibus a perna mostraria o porque de ser excepcional, deficiente, notável!

Uma conhecida desistiu cedo dos dentes. Eram caros de se manter, difíceis de sustentar. Descobriu outras habilidades com a boca lisa, as gengivas agora eram proeminentes, desgastavam tudo que nelas roçasse. Certa vez abocanhou um caroço de manga, deixou que a fruta deslizasse dentro da boca por algum tempo. Em minutos o que era gordo de carne, sumo e fibra, ficou liso, sem cor, sem gosto. Seria interessante se não fosse ridículo; deixar de sorrir com dentes para roer com gengivas.

Um colega, quando criança, mais do que aparentava na pele, sentia-se preto. Não preto como Negro, como raça. Sentia o pretume como uma situação preta, como boi da cara preta. Os colegas o chamavam de preto todo dia e o que deixou de ser simples e característico virou um pesadelo. Queria mudar essa situação e a mãe disse que ele clarearia. Só conheço um caso em que isso aconteceu e nem foi porque a mãe quis.
Cachorro, deficiente, preto e sem dentes... e ainda há quem procure, quem queira pagar para ter algo assim, que some todos os nosso preconceitos e distorções dos fatos.

Procuram-se muitas coisas nessa vida, pensar que há o risco de perdê-las é aterrorizante, faz perder o sono, criar proteções, prevenções.
Perdi meu cachorro, ele é preto, desdentado e deficiente, mas é meu amigo, não duvida, não reclama racionalmente, seus argumentos não valem, nem existem.
Com todas essas características é melhor ser cachorro deficiente do que gente simplesmente competente.