domingo, 11 de novembro de 2007

Sobre Brasílias

“A Brasília foi um automóvel produzido de 1973 até 1982 pela Volkswagen do Brasil. Foi projetado para aliar a robustez do Fusca, que já era um carro consagrado, com o conforto de um automóvel com maior espaço interno. Apesar de se conjugar o nome no feminino, o certo seria "O" Brasília, a conjugação no feminino deve-se ao enquadramento como uma mini-perua (caminhoneta).” [In Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Volkswagen_Bras%C3%ADlia]

Numa Brasília assim eu lembro de histórias incríveis, não que a outra Brasília não tenha, mas nessa eu vi e lhes asseguro a veracidade dos fatos. Fantasiados um pouco, tudo bem, mas qual história não pede pra ser contada maior e melhor?

Era 74 quando nasceu, daí até chegar em nossas propriedades confesso que não sei quem a possuiu antes do Seu Garcia. Na verdade se alguém a visse circulando pelas ruas de Fortaleza, (com você dentro, claro!) rapidamente perguntariam: “está a venda?”, “Não acredito que o Garcia a vendeu!”.

Não vendeu, ela chegou emprestada, pelo Seu Garcia sim, mas emprestada, e viria a ser o novo carro velho da família, de desculpas fiadas para o guardinha, escapulidas furtivas, remendos e improvisos como todo carro velho que se prese ou tente chegar aos pés de um fusca.
Essa Brasília tinha por objetivo nos permitir percorrer novos caminhos. Com a grande vantagem de poder escolher destinos.

Na Brasília em que hoje vivo, há mais furtos e escapadas, pessoas diversas que não se conhecem, não se esbarram. Como uma cidade sem muros tem pessoas que não se encontram nos passeios?
Claro, essa Brasília hoje está em minha vida com o objetivo de permitir novos caminhos, mas dentro dela só se percorre traços específicos, como um X no mapa, que esconde um tesouro que há muito já foi achado e dominado.

Uma cidade pensada que não imaginou o povo dando o seu jeito diagonal em relação aos planos e enquadramentos, às quadras superdimensionadas, às velhas calçadas diante dos caminhos paralelos e funcionais, impressos pelos pés do cotidiano. Tão objetiva como escolher um foco de estudo ao qual não se conhece e por sua vez, difícil de criticar. É preciso foco para andar por Brasília, em meio a tantos L´s e W´s, códigos precisos que parecem trilhar um aquário de minhocas.
Brasília foi um empreendimento moderno, sem folclore, mitos ou lendas. Uma cidade sem lembranças, porque sobre o nada se fez. As pessoas que se dizem daqui são aquelas que mais se aventuram pelo Brasil. É nelas que a pergunta surge: “que país é esse?”
Porque lá há um jogo entre fricção e hibridez, conflitos de identidade em contraponto a mistura de modelos.
Gosto mais da Brasília Perua, que coube nela e a ela momentos de total controle do inesperado, com a possibilidade de escolher o caminho diagonal, diferente da outra Brasília que mesmo com asas só tenho as quatro opções básicas da bússola.

2 comentários:

Moni Saraiva disse...

Cada uma em seu tempo, cada qual da sua forma, em diversas direções (desejadas ou não) as Brasílias convergem no momento em que têm o poder de nos conduzir...
Ainda que ultrapassada, a velha senhora da Volks ainda me parece mais segura na hora de nos levar.
Uma pena.
A fria e seca cidade-trono cheira a desconfiança, exala medo e virou emblema negativo... E aí??? será que ela vai sair de linha também???

Adorei o texto, Saramago, quer dizer, Pablim!
bjs

Anônimo disse...

Engraçado.
Vejo a cidade projetada por de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer (desculpa se a grafia estiver errada. To com preguiça de ir ao Google conferir) com olhos coloridos, não com esses carregados do cinza comumente associado à Capital Nacional.
Consegui ver em Brasília uma delicadeza por trás do concreto. Vi uma miscigenação que, muito por baixo, só posso adjetivar como espetacular. Dessa miscelânea, desse mosaico de fenótipos e sotaques, o mais natural é se sentir em casa. Não é como Recife em que o “de” e o “te” agudos doem nos ouvidos após uns dias. Não é como o “chiado” e a “malandragem construída” do carioca, que enjoa, entoja de tão garbosa. Não é como a frieza e, pq não dizer, o garbo paulista, cuja “superioridade cultural, a força de trabalho que leva o Brasil adiante”, acabam por nos diminuir. Nem tampouco como “o jeitim mineiro, muito de mansim, muito devagarzim, muito inocentizim” . Não, definitivamente não é. E não é justamente pq é tudo isso. Tudo isso e todos os outros estados membros, todos os outros brasileiros.
Senti-me brasileira em Brasília, por mais óbvia que essa frase possa parecer. E senti-me assim pq vi além dos percalços políticos, além da cidade que nasceu pra ser moderna, além da frieza candanga.Por falar em candango, melhor verbete não poderia ter sido escolhido para denominar os desbravadores dessa terra nova (candango, em uma de suas várias acepções, significa pioneiro).
É dessa coragem de enfrentar o desconhecido, de povoar o novo, que acredito vir a firmeza dos brasilienses na busca por seus objetivos. Um povo que sabe o que quer. E consegue. Seja o que queira algo de caráter filantrópico, seja almejando um emprego público que lhe garanta gordo salário e pouco trabalho. Mais uma vez, repito: não pretendo ater-me aos defeitos da terra (até mesmo pq querer ganhar muito e trabalhar pouco prejudicando a administração pública é falha de caráter, é subjetivo. E aqui não entendo o homem como produto do meio, mas o meio como conseqüência da atividade humana).
Prefiro concentrar-me na Brasília de lembranças vivas, frescas e, não, presa a um passado. Na cidade que pode responder a pergunta de Cazuza através da harmonia de sua mistura, da coragem de seu povo, do dinamismo , do empreendorismo e da força de sua gente. Na cidade que não se limita aos 4 pontos cardeais, porque tem o mais, tem o além.
Vejo-me morando em Brasília. Vejo-me construindo uma vida feliz por lá. Vejo-me crescendo. Vejo minha vida ampliando vertical e horizontalmente.
No mais, quando nasci, meu pai tinha era um Chevete.Por isso, sou mais a Brasília.